Treinamento — Rin

Aquela construção era feita de madeira. O cheiro do pinheiro usado em seu interior havia desbotado a muito e, hoje, podia apenas lembrar-me do leve aroma resinoso e adocicado proveniente daquele tipo específico. Ao meu redor, não havia ninguém exceto meu mentor e praticamente minha única família: Kaito.

" Esse é o seu máximo, Rin? " — Berrara com uma voz séria. Quando em momentos como aquele, era comum esquecer-me o quão benevolente era aquele homem, afinal de contas, transformava-se no Dojo. Se tivesse que defino-lo em duas palavras, certamente seria sábio e obstinado. Quanto a mim, bastava esforçar-me cada vez mais. Estava no auge de minhas capacidades físicas. Naquele instante, estava em um estado que beirava a arrogância, mas nem por isso, os treinos haviam tornado-se mais fáceis.

Pelo contrário, aliás.

Suor escorria abundantemente, enquanto meu cenho era tomado pela mais pura seriedade. Não havia espaços para risos e sorrisos quando treinava tão duramente. Em minha mão, a espada de madeira outrora recebida pelo mesmo mentor que, agora, treinava-me, era manuseada de maneira veloz em movimentos repetitivos.

Aquele era o Minazuki no Michi - ou, para ser exata, movimentações necessárias para realizar o estilo de Kaito.

Aquele homem havia parado de lutar durante os primeiros anos de sua vida como guerreiro: havia perdido uma batalha crucial e, com o braço decepado, não havia mais, senão trilhar um caminho secundário. Em momento algum desistiu, pelo contrário, diligentemente poliu sua técnica com espada e, agora, cada movimento, cada respiração: ele estava ensinando-me. O porque disso? Ainda não entendia.

Era cansativo permanecer imóvel, numa mesma posição, por horas. Ainda mais, repetir cada balançar centenas de vezes. Em uma hora, senti meus braços adormecerem. Em três horas, mal sentia a ponta dos dedos. E, agora, seis horas depois, finalmente começava a perder os sentidos lentamente. É... impossível, sussurrei e, naquele mesmo momento, senti a força se esvair totalmente de meu corpo. A espada fora ao chão, enquanto ajoelhava-me.

" Guarde sua espada. Lave-se e alimente-se. Amanhã treinaremos novamente. " — Dissera, virando-se e indo em direção à porta. No fim, pude apenas jogar-me no chão por mais alguns bons minutos, antes de realmente começar a fazer oque me fora mandado.

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Sentia meu punho doer. O constante impacto, diretamente atribuído aos ossos, músculos e pele, a partir da espada, eram cruéis e sabia que cedo ou tade, poderia lesionar caso continuasse me expondo tanto. Mas, oque faria a não ser continuar em frente? Aquele era o treinamento que eu havia escolhido e, Kaito, embora me alertasse sobre a dificuldade dos movimentos que deveria aprender, deixara claro que uma vez que começasse a treinar, não teria piedade alguma.

Ele sabia do meu potencial, uma vez que era uma das, senão a melhor de seus pupilos. Então, também deveria atribuir à ele, minha confiança.

O outro dia chegou e, consigo, o novo treinamento. Aproximei-me da porta, apenas para ver o meu mentor sentado em uma das escadas, com olhos fechados e braços cruzados. No instante em que passaria pelo mesmo, ouvi sua voz retumbar, tentando me chamar em um simples " Ei ". Por um momento, imaginei que fosse desistir de me treinar, mas ao contrário: ele estendeu a sua mão em minha direção, abrindo-a e revelando uma faixa. Rapidamente entendi do que se tratava. Era uma bandagem.

" Use-a em sua mão direita. Você sabe colocar uma destas, certo? " — Perguntara-me retoricamente. Respondi com um menear positivo de cabeça, amarrando-a entre os pontos mais atingidos. Pude sentir imediatamente o tecido e, como uma artista marcial, já havia visto outras bandagens. Aquela era diferente: de alguma forma, parecia ser de um material bem mais resistente e melhor.

— Oque é... Essa coisa? Ela encaixou perfeitamente — Perguntei. Kaito deu de ombros. " Uma bandagem... Encare como um presente, Rin " — Ele sorriu, levantando-se.

" Pratique os mesmos movimentos. Você está quase dominando " — Ambos começamos a entrar dentro do espaço reservado. O homem posicionou frente à um pequeno altar, onde guardava fotos de pessoas de sua própria família, enquanto olhava-me retornar aos mesmos movimentos. Novamente uma surpresa, com aquela coisa em meu punho, sequer sentia o impacto que outrora começava a ser um empecilho em meu treinamento.

— Essa coisa é incrível, Sensei! — Referindo-me a bandagem e, por um segundo, parei os movimentos. Estava sorridente e meus olhos encontraram-se com os de meu mentor, apenas para perceber que ele, de fato, não estava ali para brincadeiras. Seu olhar sério e metódico fizera-me retornar a posição.

Os movimentos eram, em suma, comuns. Cortes giratórios, verticais, horizontais, mas sempre iniciavam de uma maneira específica. Com a espada em mãos - necessitando de ambas sob o seu apoio - respirava fundo e, cortava o ar uma primeira vez. Em algum momento, claro, daqueles treinamentos, comecei a lembrar-me vividamente de cada movimento. Provavelmente não demoraria até que dominasse plenamente.

O tempo passou-se e, agora sentada no chão, observava Kaito alheio.

Decidi tentar mais uma aproximação. Entender o porque daquele treinamento e, porque estava me ensinando aqueles movimentos. Fui direta, claro. Mas novamente, aquele homem sempre usava palavras um tanto quanto escorregadias.

" Na hora certa, Rin. Não acho que demorará muito tempo até que seja capaz de usar os movimentos com perfeição, mas agora, precisaremos mudar o seu treinamento. Você não sabe usar Chi, não é? "

O Chi, ou Ki, nada mais é do que uma energia vital, extremamente usada em torneios de alto nível. É claro que eu sabia oque era, mas usar... Isso era outra história, totalmente diferente. Levantei-me e caminhei em sua direção, quase hipnotizada. Sempre ouvia histórias de lutadores, capazes de voar, soltar rajadas de energia pelas mãos e, até mesmo, concentrar em seus golpes.

Ser capaz de fazer qualquer um destes já era mais do que o suficiente, na verdade.
Balancei a cabeça negativamente. Meus olhos brilhavam, enquanto esperava uma continuação daquelas palavras.

" Está na hora. Eu irei lhe ensinar, ao menos o básico. E então, será capaz de rivalizar com qualquer um "

— Mas... porque? Porque quer ensinar-me isso? O senhor havia falado que não participaríamos do torneio — Perguntei. Apesar de incrivelmente agitada e curiosa sobre o aprendizado do Ki, queria uma resposta concreta, especificamente do que aquele homem desejava.

" Nós não iremos, de fato. Do Dojo. Mas, você talvez queira ir, não é? Então, prepararei para que possa ir embora "

— Ir embora? Mas... eu não quero ir

" Você me ultrapassou, Rin. Com seus quatorze anos, é alguém capaz de rivalizar com qualquer mestre do Dojo. Eu diria que é um gênio sem precedentes deste lugar. É errado de minha parte, como um Mestre Marcial, prender jovens diamantes brutos. Eu quero que encontre um motivo para que lutar. Quero que fique mais forte " — Era a primeira vez que ele falava aquelas palavras.

E, na verdade, sentia-me levemente sem chão.
O dojo era minha casa desde sempre e, antes mesmo disso, não havia outro lugar para voltar. Então, oque deveria fazer dali para frente?

" Não se preocupe. Eu a preparei para o mundo. E de qualquer forma, sempre poderá retornar para cá " — Ele sorriu.

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Aquela era a primeira vez, desde que havia saído das ruas, que iria para uma metrópole. Se estava ansiosa? Céus, ansiedade sequer chegava aos pés dos sentimentos conflitantes que sentia: afinal de contas, oque as pessoas pensariam ao me ver? Lembrariam-se da pequena garota que corria entre as ruas, furtando pães e leite durante a infância? É claro que não. Isso nem é lógico, afinal de contas. Quase uma década havia se passado, certamente muita coisa havia mudado. Óbvio, também seria a minha primeira vez indo tão longe, sozinha.

Não voaria, claro: desejava ir como uma pessoa comum. Mas, o quão comum tornou-se as artes marciais e, quem mais poderia ser visto fazendo oque eu poderia? No dojo de Kaito, arrumava o cabelo, penteando-o. O objetivo era abaixar as mechas mais teimosas, que continuavam parecendo chifres. Estalei a língua e, decidi pegar um pouco de creme de barbear dos garotos e, finalmente, estava do jeito que eu queria.

O brinco reluzia, a bandagem ainda permanecia em meu punho direito e a espada embainhada nas costas. Eu realmente parecia um bicho do mato. Suspirei e, finalmente comecei a dar meus primeiros passos em direção a saída do campo de treinamento, indo em direção à uma estrada. Mal era utilizada a muito tempo, mas sabia que andando por ali, em algumas horas chegaria até a área distrital do oeste.

Estava sentido frio na barriga e o coração não parava de bater acelerado.

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Kaito havia sido uma pessoa extremamente valiosa em minha vida. Não apenas por dar-me um motivo quando pequena e um treinamento adequado, mas por ensinar-me tudo que sabia. Havia orientado-me a começar a viajar o quanto antes: que eu devia aproveitar a juventude, encontrar algo que eu realmente gostasse. Óbvio, odiei de imediato, mas dia-a-dia, contava-me cada vez mais coisas sobre o mundo e o quanto poderia fortalecer-me.

Que, continuar naquele dojo, era como jogar um diamante fora. Típico dele, claro. No entanto, admitia que aos poucos, começava a não achar de todo ruim. Esse passeio, inclusive, havia sido ideia dele. E, em conjunto à um mapa, dera-me dez mil zeni para que pudesse comprar alguma coisa. Com os olhos focados no mapa, tentava distinguir o melhor caminho a seguir; evidentemente, havia uma boa quantidade destes. O mais comum e usado nada mais era do que seguir pela estrada.

Mas observando com um pouco de atenção, havia uma forma de cortar caminho. Isso me jogaria diretamente no centro da cidade. Tomada pela ansiedade, fui em direção à um pequeno morro e, joguei-me apenas para que tivesse impulso e voasse em direção ao ponto em que deveria chegar. Seria mais rápido dessa forma.

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